Ter um amigo internado na UTI, entre a vida e a morte, me fez pensar em muitas coisas.
Eu penso muito sobre as coisas.
Ele era aluno do sexto ano de Medicina, à época em que eu era preceptor da Gastrocirurgia do Hospital Santa Marcelina. Diferença de no máximo cinco ou seis anos. Esforçado, dedicado, destacava-se - e muito - do mar de incompetência que o cercava. Daí para a amizade foi um pulo.
Os caminhos se distanciaram, ele se bandeou para a Cardiologia e eu segui tocando a vida. Perdemos contato. Anos mais tarde, fui encontrá-lo em outro hospital, ele médico da UTI, e eu lhe "entregando" pacientes graves por mim operados.
- Marcos, precisamos marcar de jantar num restaurante japonês.
Claro, eu respondia que sim, embora detestasse comida japonesa.
- Minha religião não permite comer animais crus - eu lhe retrucava, rindo - Fico com os assados e cozidos!
Naquela UTI, certamente ele cuidou com afinco de muitos de meus pacientes muito, muito, muito graves. E vários deles sobreviveram, sem ao certo saber o nome do médico que lhes tratava.
Fomos padrinhos de casamento de um grande amigo nosso. Só soubemos no dia...
O cuidado que ele tinha com os pacientes, como é comum no meio médico, não aplicava à própria saúde. A juventude não é o elixir da vida.
E a conta dessa negligência um dia chegou.
Até aqui ele está quase há dez dias na UTI. Choque, sedação, respirando - como dizem os leigos - "com ajuda de aparelhos" - em hemodiálise, alimentando-se por sonda.
Eu queria que isso não tivesse acontecido.
Eu queria que ele tivesse se cuidado.
Eu queria que a doença dele fosse passível de cirurgia, assim eu saberia o que fazer concretamente para ajudá-lo um pouco.
Eu queria ser um pouco "Deus", ou quem quer que tenha poder, para não deixá-lo ir embora.
Eu quero meu amigo de volta, pra pagar minha dívida com ele no restaurante japonês e lembrar disso tudo como a um grande pesadelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário