Cabisbaixo, balança a cabeça desolado. Ensaia uma lágrima. Olha para a janela, para o nada da rua.
- Que foi, vô?
- Tinha um cachorro. Ele era lindo.
E balança a cabeça de novo, negativamente.
- Era grande. Dourado. Faz mais de cinquenta anos... Eu adorava, corria pelo quintal.
- E...?
Sabia que viria uma bomba. Afinal de contas meu avô NUNCA jogava conversa fora. Falava pouco, mesmo quando arguido, e jamais sobre qualquer assunto que não tivesse uma função, um pretexto.
E ele, abrindo o coração assim, seria um momento único. Percebia que ele tinha vergonha do que iria "revelar", afinal não dirigia o olhar para mim, apenas para aquela janela da casa de praia, que naquele momento dava para um quintal de nada com coisa nenhuma.
- Era um cachorro lindo, lindo...
Meu avô nunca tratou bem nenhum animal doméstico. "Cachorro só fora de casa", era um de seus lemas favoritos.
- Mas, sabe? Ele tinha um defeito. Ele entrava no galinheiro para comer ovo! Bagunçava tudo, assustava as galinhas. Acredita que ele comia ovo, cru?
Meu avô não mentiria.
- Fiz de tudo. Aumentei a cerca, chamava o danado, brigava, "tocava" ele de lá. Mas ele dava jeito de entrar!
Pausa. Suspiro.
- Um dia - meu avô embargou a voz - um dia ele havia feito bagunça no galinheiro de novo. Eu fiquei bravo, peguei minha espingarda, apontei e chamei. Ele veio. E eu atirei, de raiva, de tudo, para assustar.
Suspiro longo. E meu coraçãozinho batendo a mil.
- Um tiro, eu acertei na cabeça e ele morreu. Fiz sem pensar. Tive e não tive culpa. Até hoje eu me culpo.
- Vô?
- Sonho com ele, Marcos. Desde aquela época, há cinquenta anos atrás, sonho com ele quase todo dia.
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