domingo, 6 de julho de 2014

Sobre empatia, caráter e maturidade...

Aniversário é dia de fazer balanço.

Uma coisa a vida me presenteou nestes trinta e sete anos: uma lente para conseguir enxergar com clareza as pequenas e grandes coisas que acontecem ao meu redor.

Isso inclui perceber a própria língua queimada.

Faz uns cinco dias que meu aluno, residente, médico e futuro cirurgião Fernando Henrique Novaes, menino de vinte e poucos anos, está internado na UTI em estado ainda muito grave.

Lembro que há um ano e meio, quando ele iniciava a sua jornada de formação em cirurgia geral aqui no Hospital do Servidor, tive dele uma impressão ruim, guardando esta opinião secretamente, já que não o conhecia direito.

Fernando era excessivamente espontâneo.

Fernando falava muito, muito mesmo, e mais alto do que eu considerava "adequado".

Fernando era brincalhão, bonachão e irrequieto.

"Fernando serviria para ser cirurgião?" Tinha minhas dúvidas. Mas as mantinha comigo, em segredo.

Minha visita com os residentes à beira do leito, nos pacientes internados pelo Pronto Socorro, era bem conhecida, e de uma certa forma, temida. Afinal, seria a primeira vez em que os médicos recém saídos da faculdade tomavam ciência do que é cuidar de vários pacientes em pós-operatório, na maior parte das vezes graves e com câncer.

E havia chegado o dia do Fernando.

Ele deu o azar de ter sido precedido pela excelente e queridíssima Amalia Spector. Ela, não obstante todos os meus rigores, senões e poréns, havia sido a melhor até então.

Começa a visita. Eram vários pacientes, uns quatorze, se não me falha a memória.

Fernando conhecia todos. De cor. E quando eu falo "de cor", quero dizer etimologicamente também: "de coração".

Na passagem pelos leitos, a espontaneidade tornara-se empatia e compreensão.

O "falar alto", transmutado em clareza e lógica de pensamento.

A inquietude, nada mais que atitude firme e preocupada constantemente com o bem estar daqueles cuja vida depende das nossas decisões.

Vistos e examinados todos os pacientes, eu percebera que não havia feito nenhum reparo à sua visita médica. Então eu o parabenizei e lhe contei da minha primeira impressão.

Ele riu demais. Com todos aqueles 32 dentes aparecendo.

E eu fiquei muito feliz por dentro, por ter me enganado tão completamente.

Fernando, tu precisas voltar logo para me ensinar um monte de coisas, como, por exemplo, queimar minha língua.

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