- UTI...? Tio, minha mãe vai ficar bem? Ela vai morrer?
Um acidente de carro bobo, sem culpas ou culpados. Uma jovem mãe que dormia no banco do carona com cinto de segurança. Sem colisão, apenas uma desaceleração brusca seguida de muita dor na barriga. Era madrugada de sexta para sábado - início da "Semana da Criança".
- O tio promete que não vai deixar a mamãe morrer.
- Dr. Marcos, ele perguntou assim pro senhor porque meu marido, pai dele, faleceu aqui, neste hospital, nesta UTI, há um ano. Ele teve um derrame e morreu de repente. Para o meu filho, UTI é igual a morte.
Eu fiz uma promessa que no fundo não poderia e nem deveria fazer. Poderia não cumprir.
- Mas a minha mãe vai pra UTI mesmo?
Era um menino de seus cinco ou seis anos. Cara de inteligente. Óculos fundos, roupa de adulto, cabelos escuros lisos e muito bem alinhados. Prestava atenção em cada palavra minha, olhos vívidos procurando alguma coisa, alguma deixa.
- O tio precisa que ela vá pra UTI, pra cuidarem melhor dela. O acidente machucou a barriga da mamãe - mostrei-lhe os hematomas no abdome. Está vendo? O tio precisa fazer um curativo lá dentro, dentro da barriga, sabe? Lá está machucado, mas não aparece. Se o tio não fizer isso, aí a mamãe pode sofrer muito, muito mais. O que aconteceu com o teu papai não é o que está acontecendo com a tua mamãe. É diferente. O tio não vai deixar a mamãe morrer.
O menino não chorou. E eu me rasgando feito um bicho por dentro. Segunda vez, mesma promessa que não poderia cumprir.
Longa cirurgia, três horas ou mais de um tempo que nunca passou tão rápido na minha vida. "Meu Deus, não posso deixá-lo órfão, não vou deixar essa mulher morrer", pensava, antes de passar o bisturi e abrir um corte na barriga inteira. Era uma mulher alta, esguia, provavelmente muito vaidosa.
Era o que tinha de ser feito.
Esqueci do menino órfão de pai, da jovem viúva, do jovem pai falecido de uma morte estúpida repentina.
Alguns centímetros de intestino retirados, muito líquido intestinal por toda a barriga. Litros e litros de soro, lavando tudo aquilo, toda aquelas tripas sujas e contaminadas de fezes.
Fiz o que tinha de ser feito.
Acabado o procedimento, chamei a família. Esperava encontrá-lo e lhe dizer "Mamãe vai ficar bem". Mas ele não estava lá, apenas sua avó e sua tia, irmã da paciente.
- Dr. Marcos, ele não veio. Está em casa chorando. Disse que não vai dormir - contou-me a avó.
Conversei longamente. A cirurgia tinha sido satisfatória, a sepse naquele momento controlada, mas ainda muito grave. A família me agradeceu.
- Levem o menino amanhã na UTI. Eu autorizo. Se não autorizarem, façam o diabo, grave a mãe num celular, tablet, qualquer coisa para ele ver que ela está bem.
E se passaram quatro dias na UTI. Eu não o encontrava. A paciente só fazia melhorar.
- Doutor, ele vem aqui me ver, fica feliz que estou falando, muito assustado ainda. Minha mãe diz que ele não dorme um segundo só. Todas as noites praticamente em claro.
- Ele vai dormir, mas apenas quanto tu estiveres em casa.
Sexta-feira, cinco dias de UTI, dois no quarto. Antevéspera do "Dia das Crianças", um corte de 40 cm, sem mais drenos ou sondas.
Alta hospitalar.
Eu não havia visto mais o menino, senão naquela noite.
Só sei que hoje, domingo, mamãe está bem, e está com ele no Dia das Crianças, no dia de uma criança que envelheceu rápido demais.
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