O hospital continua lotado. O pronto-socorro, caótico. Pacientes esperando por atendimento, enquanto médicos esperam quem sabe um dia transformar seu atendimento em solução. Nada, portanto, incomum em mais um plantão de cirurgia.
Pedimos duas pizzas para matar a fome da equipe, afinal são 1h30 da manhã, e refeitório de hospital público dispensa quaisquer comentários. Chove torrencialmente.
O entregador da pizza chega à entrada do hospital.
- O senhor tem sorte, doutor - ele me diz - muita sorte.
"Sorte?", penso eu, "sorte" não combina com atuar em péssimas condições de trabalho, mal remunerado, exposto e eventualmente ameaçado com os mais diversos impropérios e agressões vindos de gente desesperada por um mínimo de amparo... Posso chamar isso de "sorte"?
- E por quê me dizes isto? - retruco ao motoboy.
Do alto de sua roupa negra, emborrachada e completamente encharcada, ele se abaixa e retira a entrega.
- Digo que vocês tem sorte. De trabalhar num lugar coberto. Imagina trabalhar no molhado, como eu? É dose. Duas pizzas e dois refrigerantes.
- Confere.
- Na chuva, nem a moto nem carro tem freio - ele continua. Imagina o seu corpo quente recebendo pingo gelado; molhado cem por cento do tempo. Cartão?
Lembrei de minha época no Exército, das chuvas amazônicas, da farda e de tudo o mais.
- O senhor tem sorte. Vocês tem sorte. Sorte de trabalhar num lugar abrigado e quente. Crédito ou débito?
Muito obrigado pela pizza. E pela lição.
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