domingo, 6 de julho de 2014

A pizza do plantão

O hospital continua lotado. O pronto-socorro, caótico. Pacientes esperando por atendimento, enquanto médicos esperam quem sabe um dia transformar seu atendimento em solução. Nada, portanto, incomum em mais um plantão de cirurgia.

Pedimos duas pizzas para matar a fome da equipe, afinal são 1h30 da manhã, e refeitório de hospital público dispensa quaisquer comentários. Chove torrencialmente.

O entregador da pizza chega à entrada do hospital.

- O senhor tem sorte, doutor - ele me diz - muita sorte.

"Sorte?", penso eu, "sorte" não combina com atuar em péssimas condições de trabalho, mal remunerado, exposto e eventualmente ameaçado com os mais diversos impropérios e agressões vindos de gente desesperada por um mínimo de amparo... Posso chamar isso de "sorte"?

- E por quê me dizes isto? - retruco ao motoboy.

Do alto de sua roupa negra, emborrachada e completamente encharcada, ele se abaixa e retira a entrega.

- Digo que vocês tem sorte. De trabalhar num lugar coberto. Imagina trabalhar no molhado, como eu? É dose. Duas pizzas e dois refrigerantes.

- Confere.

- Na chuva, nem a moto nem carro tem freio - ele continua. Imagina o seu corpo quente recebendo pingo gelado; molhado cem por cento do tempo. Cartão?

Lembrei de minha época no Exército, das chuvas amazônicas, da farda e de tudo o mais.

- O senhor tem sorte. Vocês tem sorte. Sorte de trabalhar num lugar abrigado e quente. Crédito ou débito?

Muito obrigado pela pizza. E pela lição.

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