Você passou mais rápido que o meu tempo...
Todo o começo de ano é assim. Você vai embora, e eu continuo aqui. Lembro de quando você chegou no hospital, há dois anos, o jovem "médico residente" (com todas as implicações do termo), o futuro especialista, inexperiente e cheio de expectativas.
Expectativas prontamente frustradas pela aspereza do treinamento cirúrgico. Treinamento que inclui horas em pé, muitas vezes sem dormir, sem comer, sem um banho sequer. Ouvindo, com cara fechada, broncas (de todos os lados), ironias de mau gosto, piadas jocosas, sem falar o tanto de impaciência e irredutibilidade que só a personalidade sui generis dos cirurgiões mais antigos sabe demonstrar para com o cirurgião mais novo.
Saiba, querido (e agora ex) residente, que só quem foi torturado sabe torturar. E todos os que lhe treinaram, já foram treinados - estiveram no seu lugar - embora queiram sempre passar a impressão de que já nasceram sabendo....
E eu fico aqui pensando, um tanto resignado, se agi ativamente para quebrar esse ciclo aparentemente eterno de estímulo pelo castigo / não-reconhecimento adequado ao mérito.
O ensino médico é apaixonante; treinar o novo cirurgião é quase um vício: uma sensação vaidosa onde um pouquinho de você é parte da formação de alguém (se eu fosse adequadamente remunerado eu só faria isso na minha vida, mas não conte para ninguém).
Hoje você terminou o seu ciclo de formação, e para o bem ou para o mal eu tive uma participação nisso. Você está diferente, mais maduro, mais centrado, com o couro certamente mais "curtido" pelo chicote da responsabilidade. Por vários chicotes.
Você passou mais rápido que o meu tempo.
Eu queria ter tido mais tempo para te acompanhar. Queria ter oferecido talvez mais cirurgias, ou mais conteúdo, ou ainda mais da minha paciência para você, e para mim também, pois saiba que aprendo imensamente nesta troca. Mas o ritmo da vida não é a gente que dita.
Eu cresci e amadureci tendo extrema dificuldade com figuras paternas erráticas. Tenho pai, e também procurei muitos "pais" aonde eles não existiam. Nunca pensei que haveria uma "cura" para essa angústia, para esse sentimento de insegurança constante.
"O que eu faço agora?"
"Para onde eu vou?"
"Como eu faço isso?"
"Está bem assim? Poderia ser melhor?"
"Por que fiz assim e não de outro jeito?"
"Fiz tudo certo, e tudo deu errado... O que acontece?"
"Quero desistir... Não aguento mais... Será que sirvo pra isso?"
"O que você acha disso?"
"Serei bom nisso um dia?
"Não me sinto seguro para fazer isso... Me ajuda?"
"Para onde eu vou?"
"Como eu faço isso?"
"Está bem assim? Poderia ser melhor?"
"Por que fiz assim e não de outro jeito?"
"Fiz tudo certo, e tudo deu errado... O que acontece?"
"Quero desistir... Não aguento mais... Será que sirvo pra isso?"
"O que você acha disso?"
"Serei bom nisso um dia?
"Não me sinto seguro para fazer isso... Me ajuda?"
Estas foram algumas de suas muitas perguntas para mim nestes dois anos tão longos, tão curtos.
Repare que são as perguntas de um filho para um pai. Eu passei esse tempo todo tentando respondê-las, no melhor que pude, orgulhosamente preenchendo lacunas de mim mesmo.
Você, querido residente, de certa forma, é a minha cura.
Você passou mais rápido que o meu tempo.
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