- Um prato de comida a mais ou a menos, não nos fará mais pobres. Fica sossegado.
E deu de ombros, franzindo a testa, num só movimento, um certo desdém despreocupado.
- Mas... eu não vou dar muito trabalho pra vocês, mesmo?
- Não vai não, Marcos - responde meu tio.
Era o ano de 1996, eu vinha do interior de Santa Catarina, adolescente, caipira e matuto de tudo, para a "grande" capital do Estado, Florianópolis, cursar Medicina.
Iria morar na casa dos meus tios, Helge e Marina. Prometi ficar seis meses. E me deixaram ficar os seis anos, até minha formatura.
Tomei meus tios como meus pais, e acho que eles souberam bem disso. Sem eles, nunca teria sido médico. E como pais que me foram, afortunadamente emprestados, eu os considerava imortais. Pais não deveriam morrer nunca, certo?
Até que um dia, na manhã de uma terça-feira, 28 de abril de 2015, meu pai emprestado se foi. Foi embora para sempre, depois de sofrer alguns dias internado, lutando com complicações de uma cirurgia de câncer de esôfago.
Tio Helge era excêntrico, no senso estrito; extraordinário. Professor universitário, radiestesista, leitor ávido (dois a três livros por mês), de excelente humor, conselheiro ponderado, amigo, confidente, escritor e contador de histórias impagáveis.
Homem de simples trato, era impossível andar em Florianópolis a pé com ele, sem logo ser parado por alguém que o conhecia: "Professor Helge...!" E embarcava num longo bate papo.
Eu ainda não consegui chorar a sua perda. Porque simplesmente não consigo perdê-lo, não quero perdê-lo, não posso perdê-lo, tamanha a importância dele e de minha tia Marina em minha vida.
Para um moleque de 18 anos, cheio de espinhas e vazio de paternidade, que só sabia trabalhar e se sujeitar a "pais" mascarados, alienados e escroques, ele correspondia a muito do que imaginava numa figura de pai. Junto com meu querido avô Alberto, ele foi a figura paterna mais importante para mim.
Aprendi com ele e com minha tia Marina que, ao contrário do que muitos me diziam, e continuariam me dizendo por muito tempo, que a escolha da minha profissão tinha sido acertada: porque era minha, e só minha.
Pela primeira vez na vida eu tive consciência (e apoio) nas minhas escolhas. Meus tios me fizeram enxergar para dentro.
Aprendi que eu não lhes devia nada em troca, nunca. Nem por me sustentarem durante a faculdade. Isso, em outras palavras, significava que amor de verdade não cobra preço algum. É apenas dado. Demorei para entender e me acostumar com isso.
Meu pai emprestado foi-se embora, mas de uma certa forma muito especial ele ficou.
Para sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário