sábado, 8 de agosto de 2015

Conseguir falar com meu pai é uma vitória...

Todo mundo vai homenagear o pai no domingo; eu me contento em conseguir falar com o meu.

Era maio de 2013, faltavam seis meses para meu casamento. E desde minha formatura, em 2002, eu não falava com meu pai.

Onze anos.

Na verdade, desde que me entendo por gente, nunca falei direito com ele. Meus pais se separaram cedo, eu tinha cinco ou seis anos. Cresci vendo meu pai como a um personagem. Não conseguia compreendê-lo. 

Não o aceitava sob nenhuma hipótese, e chegava a negar até a minha própria aparência (tão parecida com a dele...): buscava sobretudo, e incessantemente, as diferenças, os contrapontos, as divergências.

Nunca concordava com o seu jeito, com suas decisões, sua maneira de viver e ver o mundo.

Quem conhece meu pai, sabe do que estou falando.

Eu me sentia órfão de pai vivo. Como ele não era o pai que eu queria e idealizava (e achava que “merecia”), passei boa parte da minha existência buscando um pai, e me comportando como um filho. Sempre.

Mas os “pais” que fui encontrando e adotando temporariamente ao longo da minha vida espertamente percebiam essa lacuna, essa necessidade tão cara, tão preciosa para a autoestima: a busca de reconhecimento e aprovação. 

Resultado: passei boa parte da minha vida a serviço de outras pessoas, de interesses que não os meus, de sonhos, projetos, empregos, trabalhos, enfim: fazia de tudo para que pudesse um dia ser finalmente adotado por alguém.

Mas essa "adoção" não vinha. 

Os pretensos pais só me faziam sofrer mais. Sofria tanto até o ponto de os abandonar, para então continuar a minha busca em outro lugar, numa outra figura, um outro “pai”. 

Eu mudava de emprego, mudava de cidade, mudava de chefe. Só não mudava meu objetivo, inconsciente, incessante.

Enquanto isso, meu pai de verdade padecia de um câncer de intestino e foi operado às pressas. Eu já havia me especializado, já era cirurgião em São Paulo: longe dele, portanto. 

Lembro que foi uma das poucas vezes em que nos falamos neste período. Não fui vê-lo, não porque não quisesse, mas simplesmente porque eu não conseguiria.

Soube, por telefone, do resultado da sua cirurgia. O meu colega cirurgião, que o havia operado, estava exultante: “Seu pai está ótimo!”. 

Fiquei petrificado, mudo. A cirurgia tinha sido um sucesso. No fundo, eu desejava o pior, queria que ele morresse, pois aí eu não teria mais nada a fazer, mais nada a dizer: tudo se resolveria como num passe de mágica.

Mas ele sobreviveria o bastante para mais uma cirurgia, pois o câncer havia voltado, poucos anos depois. Nesta época, meu pai apareceu em São Paulo de supetão, no consultório onde atendia: veio se consultar, pedir a opinião do especialista: quem melhor senão o próprio filho?

Mostrou seus exames, no que eu concordei:

- Você deve ser reoperado...
- É a sua opinião? Devo operar então?
- Acho que deve ser operado o mais rápido possível.
- Obrigado.

Levantou-se, estendeu a mão, e foi embora.

- Pai, precisa de algo?
- Pode deixar que eu me viro.

“Pai”. Fazia uns dez anos que eu não falava essa palavra para a pessoa a quem é de direito.

Dois meses depois, ele então foi reoperado. A cirurgia complicou, ficou internado um tempão. Teve alta, ficou bem. Novamente, não fui visitá-lo.

Mais um tempo passou. E em poucos meses seria meu casamento. 

O convite teria o nome dele, logo acima do nome de minha mãe. 

Mas, sinceramente, por quê? Por que, se em todos esses anos nunca o considerei? Nunca o deixei participar da minha vida...? Nunca foi meu “pai”? Vou me dobrar à formalidade?

- Você vai convidar o pai para o teu casamento? Como vai ser?

Era a pergunta da minha irmã. Muito pertinente.

- Vou. E não sei.

Chegou o dia do meu casamento. No altar, meu pai estava lá, firme, saúde de ferro, visivelmente feliz e muito emocionado. 

Quando fui cumprimentá-lo, ao final da cerimônia, chorei copiosamente.

Pedi-lhe perdão.

(Por todos estes anos de imaturidade minha).

(Por não tê-lo aceitado).

(Por não tê-lo compreendido).

(Por não tê-lo visitado no hospital, nas suas cirurgias).

(Por ter desejado a sua morte inúmeras vezes).

“Não precisa. Perdão por quê, meu filho?"

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