Eram duas da manhã, plantão calmo, quando a "moça da limpeza" veio recolher o lixo do consultório do pronto socorro.
Era miúda, com um sorriso amarelado pelo tempo. Não era tão "moça" assim.
Usava aquelas botas de borracha, enormes, desengonçadas. O esfregão a acompanhava.
- Mas o lixeiro está cheio de água, doutor.
- Com a chuva que deu há pouco, alagou o consultório... E pingava até do teto...!
(Detalhe que o PS foi recém construído...)
- Ah, doutor. Como pode? Atender nesse lugar alagado...?Vocês estudam muito, que eu sei, e dá trabalho danado atender esse povo...
- A senhora acha isso mesmo?
Eu não perco oportunidade.
- Ô, se sei! Tenho um filho que estuda na USP...
- E o que ele estuda lá?
- Medicina. Vai pro terceiro ano.
Filho único, abandonado pelo pai aos dois anos de idade.
Criado pela mãe desde então,
numa favela da zona sul, faxineira da empresa terceirizada de um hospital público.
Estudou apenas em escola pública, e passou no vestibular de Medicina com dezesseis anos de idade.
- Tenho orgulho dele, estudou sozinho e não depende de ninguém... O senhor acredita?
Claro que sim.